Por Bernardo Aurélio
“Independência ou morte!” Se o dramático grito do Ipiranga não
é unanimidade entre os pesquisadores como fato histórico, ao menos
não se pode ter dúvidas quanto aos resultados da decisão do então
Príncipe Regente, Dom Pedro, de separar Brasil de Portugal: morte e
liberdade fazem parte do mesmo raciocínio no processo de
independência do nosso país, e no Piauí, foi bastante sangrento.
Na paisagem monótona salpicada
de palmeiras de carnaúba do município de Campo Maior, no sertão do
Piauí, jazem alguns dos heróis anônimos da Independência do
Brasil. Seus túmulos estão assinalados por centenas de montículos
de pedra malcuidados e sem identificação no matagal (…) Nesse
local ocorreu o mais trágico confronto na Guerra da Independência
(GOMES, 2010, p. 187).
13 de março de 1823: a data que é bordada na bandeira do Piauí,
desde 2005, representa uma revalorização da história dos heróis
anônimos deste Estado, um marco e um dos alicerces político e
cultural para o governo e povo, principalmente para aqueles que vivem
na cidade de Campo Maior, a 80km da capital, Teresina. Mesmo o “19
de outubro”, quando é comemorado o dia do Piauí, devido a adesão
à Proclamação da Independência Brasil pela Câmera de Vereadores
de Parnaíba (a 360km de Teresina), não teve a honra de figurar-se
na bandeira verde e amarela desse Estado. De fato, foi no 13 de março
quando o povo participou com mais intensidade do sentimento de
brasilidade que percorria o território nacional naquele período e
foi também quando houve o “trágico confronto” que vitimou
centenas de pessoas que lutavam não apenas pela independência do
Brasil, mas pela unidade do território nacional.
Norte e Sul do Brasil guardavam as respectivas diferenças
geográficas em suas distâncias continentais, mas para além disso,
naquelas primeiras décadas do século XIX, atuava na zona mais
tropical do país a intenção portuguesa de resguardar aquele
território aos interesses da Coroa lusitana, por isso os confrontos
armados foram inevitáveis entre aqueles que queriam seguir ou Dom
João VI ou Dom Pedro no futuro do nosso país.
O Norte era autêntico satélite
de Portugal. Sabia da existência do Sul, como a de um irmão
longínquo. “Distanciava-o o meio; isolava-o o destino divergente;
separavam-no profundas discordâncias étnicas” (Euclydes da
Cunha). “O Norte – são palavras de outro escritor ilustre –
era então o principal do Brasil, dois terços da sua atividade útil,
o que os portugueses mais guardavam” e onde acumulariam seus
elementos de resistência. No Sul a independência foi Te-Deum,
beija-mão, aplauso, luminaria, flores, fitas e proclamações. No
Norte, sítio e trincheira, fome e peste, sangue e morticínio. Aqui
a adesão; lá a guerra (CONDE, p. 196).
Conhecidas são as razões que levaram aos fatos do 7 de setembro de
1822, entretanto, não se pode dizer o mesmo das intenções de
Portugal para com o Brasil naqueles turbulentos anos. Ainda em
dezembro de 1821, a corte portuguesa manda decretos exigindo a
redução do país de volta à condição de colônia e que Dom Pedro
deveria retornar rápido à Europa. Pouco tempo antes, em Portugal,
Dom João VI nomeia, pessoalmente, o Major Da Cunha Fidié, “veterano
das guerras peninsulares contra as tropas de Napoleão Bonaparte, e
que serviu no exército de Wellington” (CHAVES, p.267), como
Governador das Armas do Piauí. O Major deveria partir o quanto antes
para Oeiras, então capital da província. Os objetivos eram claros:
ou o Brasil tornava-se novamente uma colônia e Dom Pedro voltava à
Portugal, ou Fidié deveria manter o norte do país, que seria, longe
das influencias do Rio de Janeiro e sua corte, submisso à Portugal.
Não tendo eu pedido aquelle
Governo, e sendo só devida a minha nomeação á lembrança de Sua
Magestade o sr. D. João 6º, (…) parti immediatamente, por ser
essa a vontade do mesmo Augusto Sr. ordenando que o commandante da
Charrua Gentil Americana me recebesse a seu bordo (…) Na ocasião
da minha partida, Sua Magestade me ordenou muito positivamente, que
me mantivesse, dizendo-me: Mantenha-se! Mantenha-se! (…) E quando
pouco depois de ter chegado á cidade de Oeiras do Piauhy, me constou
da revolta da Villa da Parnahiba (…) Declarei ao Governo Civil da
Provincia , que marchava contra aquella Villa, e que em quanto
tivesse quatro homens que me obedecessem, o terreno que elles
pisassem seria constitucional, e pertenceria ao Reino (FIDIÉ, 2010,
p. 159 -160).
O norte do país era importantíssimo para Portugal: mais próximo
da Europa, possuía grandes estruturas administrativas,
principalmente nas terras do Maranhão, e no Piauí havia grande
produção de carne de gado que abastecia alimentando inclusive o sul
do país, além de ser uma província estratégica, que si ligava ao
Ceará, Bahia e Pernambuco.
Há muito que a posição
geográfica do Piauí havia despertado a atenção do Governo de
Lisboa para o caso de uma emergência. Prevendo que a independência
do Brasil seria apenas uma questão de tempo, é opinião de
abalizados historiadores que o Governo Português planejava ficar com
uma parte para ele, isto é, o norte, recriando o Estado do Maranhão
que compreenderia as províncias do Pará, Maranhão e do Piauí (…)
Se os portugueses pretendiam realmente ficar com o norte após a
independência, a ocupação militar do Piauí seria então uma
questão de vida ou morte para eles (…) [Fidié] Chegou a Oeiras a
18 de agosto de 1821 e, tomando posse no dia seguinte, tratou logo de
criar novos Corpos de Milícia, além dos já existentes. Esta
intempestiva mobilização de tropas em Província central, sem
qualquer ameaça de luta externa, já podia revelar de certa forma a
missão de Fidié entre nós: conservar o Maranhão e sua zona de
influência fiéis a Lisboa (CHAVES, 1998, p. 266-267).
Menos de um mês depois da chegada de Fidié a Oeiras, acontece o 7
de Setembro de 1822, que não tarda encontrar eco na voz dos
piauienses da Vila de Parnaíba, em 19 de outubro, aderindo a
independência do Brasil. Acontece que Parnaíba dista quase 700km de
Oeiras e Fidié encontrava-se na obrigação de calar as vozes de
pessoas como Simplício Dias, Leonardo Castelo Branco e João
Cândido, os protagonistas da adesão parnaibana. João Cândido
escreveria à Junta Governativa de Oeiras, ainda em 30 de Setembro de
1822, as seguintes exclamações:
Se o Brasil quer desunir,
desuna-se: prática que não traz consigo responsabilidade alguma aos
governos, porque os povos querem e ninguém lhe pode resistir sem
risco, ou não querem e então assim o declaram (..) A maior, a mais
rica, a mais populosa parte do Brasil, tem-se declarado a favor da
causa da independência; como persuadir-nos que o resto não siga a
mesma causa? Ou queiram os povos olhar a sangue frio o seu país
dividido, seguindo o Sul um sistema e o Norte outro? (CANDIDO, João
apud MARQUES, Renato Neves, p. 14 e 15).
Como não tiveram resposta de Oeiras, pois lá estava a mão pesada
do Major Fidié, que desde então começara a conhecer os nomes e
intenções dos “separatistas” brasileiros, e sem poder mais
esperar, acreditando os parnaibanos fazerem parte de um projeto
nacional encabeçado por Dom Pedro, aderiram a independência pouco
depois:
No dia 19 de outubro de 1822, o
Coronel Simplício Dias da Sila retomou o comando militar da Vila e a
frente da tropa de 1ª e 2ª Linhas dirigiu-se à casa do Senado da
Câmara e exigiu do Senado que se desse o devido cumprimento aos
respeitáveis decretos da Majestade Imperial D. Pedro. Logo em
seguida, acompanhado dos membros da Câmara, no Paço da Câmara,
diante da tropa perfilada, foi aclamado alto e bom tom a
Independência entre calorosas aclamações de populares que para ali
correram para saberem o que acontecia, com descarga de artilharia
acompanhado pelo repicar de sinos da Igreja Matriz (MARQUES, Renato
Neves, p. 15).
Simplício Dias era um homem muito rico, dono de
charqueadas e vários navios que negociavam diretamente com a Europa.
Articulado com pessoas como o Juiz de Fora Dr. João Cândido e o
intelectual Leonardo Castelo Branco, são os três pilares da
movimentação independente no norte do Piauí. Sobre a figura de
Simplício Dias:
A iniciativa da luta coube à
figura bizarra do patriota piauiense coronel Simplício Dias da
Silva. Imensamente rico, e viajado, hóspede da França
pós-revolucionária, as ideias liberais trazidas da Europa, ele as
sobrepõe, com entusiasmo, aos próprios interesses, e aos de sua
família. Arruína-se no financiamento da guerra pela libertação do
Brasil. Sobre os destroços de sua riqueza, edifica-se a unidade
pátria (CONDE, p. 195).
No dia 13 de novembro de 1822, menos de um mês depois
da adesão de Parnaíba à independência, Major Fidié deixava
Oeiras e iniciava sua marcha de cerca de 660km rumo ao norte do
Piauí, deixando o sertão e indo para o litoral. Antes de sair, o
então Governador das Armas, preparava-se ou para uma guerra ou para
uma grande intimidação, preparando um grande exército, pois “pediu
mais pólvora, oficiou a comandantes de milícias (…) que se lhe
reunissem com as praças armadas que pudessem prontificar com
urgência” (CHAVES, p. 273).
O clima em Parnaíba ficou tenso. Nenhuma outra vila da
província aderiu aos independentes do litoral. À medida que Major
Fidié aproximava-se do norte com cerca de 2 mil soldados, Simplício
Dias e seus aliados planejavam outra estratégia, precisando para
isso, refugiarem-se temporariamente, no Ceará. Major Fidié chegou a
Parnaíba em 18 de dezembro de 1822 e
Antes de tomar alojamento,
formou a soldadesca na Praça da Matriz e dirigiu-se à Câmara, da
qual exigiu, naquela mesma hora, a renovação do juramento de
fidelidade a Dom João VI. Depois assistiu a um Te-Deum
na Matriz de N. Senhora da Graça. Em seguida determinou que se
fizessem manifestações públicas de regozijo e que fossem
vitoriados o Rei de Portugal e as Cortes de Lisboa (CHAVES, p. 282).
Enquanto no norte do Piauí, com a proximidade de
Fidié, os independentes parnaibanos partiam com a estratégia de
formar um exército no Ceará, em Oeiras articulavam-se os primeiros
passos em prol da liberdade. Aproveitando a ausência do Major Fidié,
longe quase 700km da capital, “às 14 horas de 13 de dezembro (…)
seis homens encapuzados surpreenderam a guarda da Casa da Pólvora,
tomaram-lhe as armas e surraram-na a chibata. Ninguém acudiu aos
guardas. Abriram-se devassas, mas tudo ficou envolto em mistério”
(CHAVES, p. 283). O assalto armou os independentes oeirenses de
munição para prepararem um ataque maior, no mês seguinte, pelas
costas do Governador das Armas e longe de seu olhar.
Em Oeiras, haviam ficado no comando homens que Fidié acabara de conhecer, não sabendo de suas reais intenções, mas obrigado a neles confiar. Entretanto, no seio da elite política da capital, estava plantada por Manoel de Sousa Martins a semente da adesão à Dom Pedro. Nas primeiras horas de 24 de janeiro, em plano mui estrategicamente elaborado por ele e seus compatriotas, Oeiras desconcerta Fidié, assaltando quartéis, prendendo oficiais e membros da Junta Governativa inimigos da causa independente, “quando o povo saiu à rua, pela manhã foi para responder aos vivas que Manoel de Sousa Martins ergueram à independência e ao Imperador diante da tropa formada na praça da Matriz” (CHAVES, p. 286).
Na madrugada de 24 de janeiro de
1823 movimentam-se os conjurados, ocupam pontos estratégicos da
cidade, assenhoreiam-se dos quartéis, tomam a Casa da Pólvora, o
Paço Municipal. Mais tarde diria o mesmo governo que pusera abaixo o
elemento fiel a Portugal: “Tudo isso foi executado com a melhor
ordem, silêncio e sossego, desde as duas até as quatro horas da
manhã e imediatamente ao raiar da aurora, os dois beneméritos
piauienses, o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins e o Coronel Joaquim
de Sousa Martins, deram os vivas da independência do Brasil e a S.
M. o Imperador e Defensor Perpétuo, a que correspondeu todo o povo,
já então tranquilo espectador de tão gloriosa cena” (NUNES,
p.57).
Pouco
antes da adesão de Oeiras à Independência do Brasil, entrava no
Piauí dois corpos militares formados cada um com cerca de trezentos
homens, ambos montados e financiados por Simplício Dias, no Ceará.
Um deles era tinha a presença marcante do capitão cearense
Rodrigues Chaves e do tenente Alecrim, personagens fundamentais no
processo das lutas da independência no Piauí e Maranhão. O outro
corpo era guiado pelo parnaibano Leonardo Castelo Branco, que
primeiro dirige-se à Vila de Piracuruca, chegando lá a 22 de
janeiro de 1823, e em Campo Maior a 5 de fevereiro de 1823. Em ambas
as vilas, é proclamando a independência e preso os seus inimigos.
Nas duas ocasiões, Leonardo leu um manifesto do qual faz parte os
trechos abaixo:
Até
quando malignas e espessas nuvens ofuscam as luzes do vosso
entendimento, pois vós sois brasileiros, e recusais obedecer ao Sr.
Dom Pedro, Imperador Constitucional e seu Perpétuo Defensor? Não
sois europeus e seguis o seu partido com perigo evidente da nossa
vida e com perda da honra. Ah! Onde estão o brio e o patriotismo
brasilieses; onde a honra e onde o dever? O meu coração se vê
dilacerado pelo punhal da mais intensa dor! Irmãos, irmãos! Quereis
ter a doçura que a força exigia de vós e por violência obtenha o
que o dever, a honra e o patriotismo em vão, até agora, vos tem tão
instante e cordialmente persuadido! A dor me embarga as vozes do
sentimento, apenas respiro (...) Ah! Queridos e enganosos irmãos,
que é o que temeis? E que é o que esperais? Temeis as forças do
miserável Portugal esgotadas com as contínuas levas de soldados do
sul do Brasil, onde todos têm sido sacrificados à deusa da
Liberdade Brasiliense? Que esmaga suas cabeças com a mão armada do
ferro com que pretendiam subjugar-nos? (...) Que vos falta, pois,
amados irmãos? Que vos impede os passos? Que vos prende a língua?
Ai! Gritai comigo: Viva a nossa santa religião! Viva a futura
Constituição Brasiliense! Viva a D. Pedro I, Imperador
Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor! Viva a nossa santa
Independência! Vivam todos os Brasileiros honrados, briosos e
intrépidos! (BRANCO, in SANTOS, p. 77 a 81)
Major Fidié, que já se preparava para invadir o
Ceará, fica ciente da adesão de Oeiras e muda seus planos: decide
descer imediatamente e abafar o movimento na capital. Entretanto, em
meados de fevereiro também toma conhecimento de que as tropas
independentes passaram por Piracuruca e Campo Maior. O confronto no
meio do caminho entre Parnaíba e Oeiras seria inevitável. O
exército português inicia sua marcha saindo do litoral a 1º de
março. Nesse tempo, em Campo Maior, Cap. Chaves e Ten. Alecrim
arregimentavam o maior número possível de gente para ajudarem no
combate iminente.
Não foi em vão. O povo estava
acima de qualquer expectativa. Cada um, o vaqueiro e o roceiro, foi
mais pronto em alistar-se para o tributo de sangue. Ninguém se
recusou a acudir o apelo, e, dentro de três dias, as fileiras
engrossaram-se e uma numerosa multidão ficou à espera dos
portugueses para o combate. É assim que perto de dois mil homens,
vibrando num entusiasmo ruidosos, expansivos como quem volta de um
triunfo, acudiram à chamada e formaram em frente à Igreja de Santo
Antônio (…) E só a loucura patriótica explica a cegueira desses
homens que iriam partir ao encontro de Fidié quase desarmados.
As poucas espingardas tinham
sido distribuídas aos cearenses. Os piauienses, estes conduziam
velhas espadas, facões, chuços, machados, foices. De nada valia,
contudo, para eles, a falta de armas, tão sugestionados iam com a
certeza do triunfo (NEVES apud CHAVES, p. 307 e 308).
Chega então o dia 13 de março de 1823. Muitos eram os
soldados de Fidié, homens treinados, municiados e preparados para a
guerra. Já a tropa liderada pelo cap. Rodrigues Chaves era
constituída em sua maioria por homens do campo, roceiros, vaqueiros
e escravos. Aventureiros que acreditavam na vitória, mas preparados
apenas com a coragem e bravura, porque armas de fogo e treinamento,
não possuíam nenhum. Os independentes entrincheiraram-se no leito
do rio Jenipapo, a 10km de Campo Maior, e lá esperaram o inimigo.
Ao ouvir os primeiros tiros, os
inexperientes brasileiros acreditaram que toda a tropa portuguesa
estava concentrada no flanco esquerdo. Foi um erro fatal. Em tropel
desordenado, abandonaram a linha de defesa que haviam formado ao
longo da margem do rio para se concentrar todos só naquele ponto.
Isso deu a Fidié a oportunidade de cruzar o Jenipapo num ponto
desguarnecido e calmamente montar a artilharia no alto de uma
ondulação que desponta sobre a várzea. Ao perceber a manobra, os
brasileiros já estavam cercados, de um lado pela cavalaria e, de
outro, por 11 canhões que começaram a despejar sobre eles uma chuva
de fogo. (GOMES, p. 191).
Quando passava do meio-dia, não
a consciência da derrota mas o cansaço puro e simples começou a
dominá-los. As armas caíam-lhes das mãos trêmulas. As pernas
bambeavam. Já não combatiam, arrastavam-se para a morte (…)
Também os partidários de Fidié caíam de cansaço. Cinco horas de
luta ininterrupta e um sol abrasador tiravam-lhe totalmente o ânimo.
Não perseguiram os independentes em retirada. Não poderiam fazê-lo.
A vitória amarga não conseguira alegrar o coração do comandante
português. Ele estava assombrado com o arrojo, a valentia e o
desamor pela vida demonstrados pelos seus adversários (CHAVES, p.
309).
A longa batalha cansou a todos e no fim, “quando a fuzilaria
terminou, por volta da 14h, o chão estava coalhado de cadáveres”
(GOMES, p. 191) e a vitória foi de Fidié. Os brasileiros
independentes foram derrotados. Calcula-se que mais de duzentos
bravos lutadores da causa independente teriam morrido, outros
quinhentos, sido presos. Do lado português, apenas dezesseis.
Entretanto, a luta foi aguerrida de tal modo que Fidié reconsiderou
seus planos, pois “se ali, quase na metade do caminho entre
Parnaíba e Oeiras, lhe haviam oferecido um combate tão difícil, o
que não iria ele encontrar mais na frente?” (CHAVES, p. 309). Além
disso, “quando Fidié ainda estava dando um balanço nas perdas que
sofrera, vieram avisar-lhe que os patriotas, na retirada, haviam
atacado sua retaguarda e tomado a maior parte de sua bagagem”
(CHAVES, p. 309), ou seja, Fidié ficara sem soldos e sem munição.
Fora um golpe terrível este que sofrera. Não lhe restava opção
que não fosse esquecer momentaneamente os separatistas de Oeiras e
dirigir seu curso para o lado do Maranhão, buscando refúgio e
refortalecer sua tropa. Pode-se dizer, sem medo de parecer
corriqueiro, que, sim!, no Jenipapo, Fidié venceu a batalha, mas
começou a perder a guerra pela independência do Brasil.
Depois
da Batalha do Jenipapo, as tropas piauienses reuniram-se em Oeiras e
juntaram-se a outros homens que chegavam do Ceará, Pernambuco e
Bahia. Coordenados pelo Brigadeiro Manoel de Sousa Martins e pelo
Coronel Joaquim de Sousa Martins, tiveram como missão principal
sitiar Fidié no morro Tabocas, em Caxias, Maranhão. Estima-se que
no final de julho de 1823 havia cerca de sete mil soldados
brasileiros contra setecentos soldados juntos à Fidié. A
capitulação já era inevitável quando Lord Cochrane, aristocrata
e político escocês que se destacou como oficial da Marinha Real
Britânica durante os movimentos de independência da América,
aproximou-se do Maranhão. Fidié foi preso a 3 de agosto de 1823,
quase cinco meses depois da batalha do Jenipapo. Com ele, caía a voz
portuguesa mais poderosa e a mais alta patente em comando em todo o
norte.
Foi a Batalha do Jenipapo, com
seus valentes heróis anônimos, a luta definitiva que mudou o curso
de Fidié, permitindo aos independentes sitiá-lo e derrotá-lo para
a consolidação e unidade do território nacional independente.
Ao final de todo esse processo
nacional de adesão à independência, depois de vários meses preso
entre Piauí, Ceará e Rio de Janeiro, Fidié regressou para
Portugal, onde foi reconhecido como herói e tornou-se diretor do
Real Colégio Militar por muitos anos. O coronel Simplício Dias, da
Parnaíba, foi o primeiro presidente da província nomeado por Dom
Pedro I, mas não chegou a ocupar o cargo, preferindo continuar os
negócios da família. Coube a honra, ao Brigadeiro Manoel de Sousa
Martins, de Oeiras.
Para comemorar a data, e
valorizar o acontecido, por ocasião do centenário da batalha, em
1922, o governo do estado do Piauí, constrói um obelisco em Campo
Maior.
Passaram
muitos anos do episódio Batalha do Jenipapo e uma outra luta
começava a ser travada, esta liderada por ilustres campomaiorenses.
Ansiavam tais conterrâneos por uma valorização (…) para saldar a
dívida histórica para com as almas dos homens que tombaram no campo
de guerra em nome da pátria (…) Somente no século XX, cem anos
após a batalha sangrenta, foi dado o primeiro passo no sentido do
reconhecimento, com a construção de um obelisco no campo sagrado
onde descansam os que tombaram (LIMA, p. 53)
Mas o reconhecimento não se
limitou à construção do obelisco em 1922. Era preciso algo maior.
Por ocasião do sesquicentenário da Batalha, em 1973, o então
governador Alberto Silva constrói o monumento que torna-se, de fato,
símbolo da luta. Às margens do rio Jenipapo, mais próximo de onde
estavam os mortos e a história que precisavam ser lembrados. No
local também foi construído um cemitério, que tornou-se um local
de exercício da fé, onde muita gente passou a visitar para “pagarem
suas promessas. Muitos depositam ao pé de uma grande cruz o
resultado de 'milagres' que creditam às almas do Batalhão” (LIMA,
p. 87).
O Monumento aos Heróis do
Jenipapo é cenário de várias manifestações cívicas e militares,
como a entrega de medalhas e honrarias. Mas também é cenário para
um evento que se repete anualmente por quase duas décadas: a
apresentação da peça teatral da Batalha do Jenipapo. Originalmente
escrita por Aci Campelo e dirigida por Arimatan Martins, a peça
popularizou a solenidade militar que acontece sempre naquele local no
13 de março. Continuando com a política de valorização da data,
em 2009 o Governo do Estado financiou a produção da história em
quadrinhos “Foices e Facões – A Batalha do Jenipapo”, de
Bernardo Aurélio e Caio Oliveira. Em 2012 o quadrinho foi adaptado
para teatro e hoje é dirigida por Franklin Pires e encenada em
substituição ao texto anterior.
BIBLIOGRAFIA
GOMES,
Laurentino. 1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um
escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um
país que tinha tudo pra dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
2010.
FIDIÉ, João José da
Cunha. Vária Fortuna de um soldado Português. Teresina: FUNDAPI.
2006.
CONDE,
Hermínio de Brito. Org. SANTANA, Raimundo. SANTOS, Cineas. O Piauí
e a Unidade Nacional. Teresina: FUNDAPI. Coleção independência
vol. 5. 2007.
CHAVES, Monsenhor. Obras
Completas. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves. 1998.
MARQUES, Renato Neves.
19 de outubro: o dia do Piauí. Teresina: Sistema Fecomércio. 2004.
SANTOS, Gervásio.
Leonardo de Carvalho Castelo Branco. Teresina: Zodíaco. 2012.
LIMA, Francisco de Assis. A Batalha: o reconhecimento. Campo Maior:
edição do autor. 2009.