segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ave Ivo Milazzo!

Faz um tempão que não escrevo aqui, mas recentemente recebi uma imagem que preciso compartilhar com todos que tem interesse nesse nosso trabalho.

Quando comecei a esboçar os personagens com meu irmão Caio para o Foices & Facões (F&F) nós quisemos fazer uma homenagem ao grande Ivo Milazzo, desenhista da clássica série de bang bang Ken Parker.

Por isso, em determinada cena, Teobaldo aparece vestindo uma roupa parecida com essa:
Confira aqui:



Que me atire a primeira pedra os puristas que dirão que nunca que o sertanejo brasileiro seria parecido com o cowboy norte-americano...

Nossa capa também foi inspirada em um modelo italiano. É só procurar qualquer capa de Ken Parker no google, como essa:


 A ideia de algo parecido com aquarela e em imagem dupla foi intencional. Eu encomendei que Vitor Barreto desenhasse olhando para algumas Ken Parker que levei pra ele. E mostrei pro Victor Rolf o tipo de cor que eu queria. Deu nisso:


Mas a imagem que eu quero mostrar mesmo é essa:


Essa mão segurando nossa Foices & Facões é do próprio Ivo Milazzo, que recebeu o presente das mãos do Mário David (muito obrigado, cara! Eternamente grato...) no FIQ, que aconteceu recentemente em Belo Horizonte.  Muito feliz aqui!

Fiz uma dedicatória em italiano para ele:



 Agora vou procurá-lo e pedir uma imagem pra capa da próxima edição da nossa F&F (não custa sonhar).



(Obs: Atualizado em 23/11/13, quando o Mario me entregou a a edição abaixo para ser autografada pelo mestre)

  E se isso não era suficiente, Milazzo retribuiu o favor e autografou meu exemplar da primeira edição de Ken Parker publicado pela editora Vecchi, em 1978. Morram de inveja!



Tá meio acabada, mas é minha. Tá embalada num saquinho agora, protegida dos malditos cupins!


sábado, 22 de junho de 2013

A Batalha do Jenipapo Pela unificação do Território Nacional

Por Bernardo Aurélio




“Independência ou morte!” Se o dramático grito do Ipiranga não é unanimidade entre os pesquisadores como fato histórico, ao menos não se pode ter dúvidas quanto aos resultados da decisão do então Príncipe Regente, Dom Pedro, de separar Brasil de Portugal: morte e liberdade fazem parte do mesmo raciocínio no processo de independência do nosso país, e no Piauí, foi bastante sangrento.

Na paisagem monótona salpicada de palmeiras de carnaúba do município de Campo Maior, no sertão do Piauí, jazem alguns dos heróis anônimos da Independência do Brasil. Seus túmulos estão assinalados por centenas de montículos de pedra malcuidados e sem identificação no matagal (…) Nesse local ocorreu o mais trágico confronto na Guerra da Independência (GOMES, 2010, p. 187).

13 de março de 1823: a data que é bordada na bandeira do Piauí, desde 2005, representa uma revalorização da história dos heróis anônimos deste Estado, um marco e um dos alicerces político e cultural para o governo e povo, principalmente para aqueles que vivem na cidade de Campo Maior, a 80km da capital, Teresina. Mesmo o “19 de outubro”, quando é comemorado o dia do Piauí, devido a adesão à Proclamação da Independência Brasil pela Câmera de Vereadores de Parnaíba (a 360km de Teresina), não teve a honra de figurar-se na bandeira verde e amarela desse Estado. De fato, foi no 13 de março quando o povo participou com mais intensidade do sentimento de brasilidade que percorria o território nacional naquele período e foi também quando houve o “trágico confronto” que vitimou centenas de pessoas que lutavam não apenas pela independência do Brasil, mas pela unidade do território nacional.

Norte e Sul do Brasil guardavam as respectivas diferenças geográficas em suas distâncias continentais, mas para além disso, naquelas primeiras décadas do século XIX, atuava na zona mais tropical do país a intenção portuguesa de resguardar aquele território aos interesses da Coroa lusitana, por isso os confrontos armados foram inevitáveis entre aqueles que queriam seguir ou Dom João VI ou Dom Pedro no futuro do nosso país.

O Norte era autêntico satélite de Portugal. Sabia da existência do Sul, como a de um irmão longínquo. “Distanciava-o o meio; isolava-o o destino divergente; separavam-no profundas discordâncias étnicas” (Euclydes da Cunha). “O Norte – são palavras de outro escritor ilustre – era então o principal do Brasil, dois terços da sua atividade útil, o que os portugueses mais guardavam” e onde acumulariam seus elementos de resistência. No Sul a independência foi Te-Deum, beija-mão, aplauso, luminaria, flores, fitas e proclamações. No Norte, sítio e trincheira, fome e peste, sangue e morticínio. Aqui a adesão; lá a guerra (CONDE, p. 196).

Conhecidas são as razões que levaram aos fatos do 7 de setembro de 1822, entretanto, não se pode dizer o mesmo das intenções de Portugal para com o Brasil naqueles turbulentos anos. Ainda em dezembro de 1821, a corte portuguesa manda decretos exigindo a redução do país de volta à condição de colônia e que Dom Pedro deveria retornar rápido à Europa. Pouco tempo antes, em Portugal, Dom João VI nomeia, pessoalmente, o Major Da Cunha Fidié, “veterano das guerras peninsulares contra as tropas de Napoleão Bonaparte, e que serviu no exército de Wellington” (CHAVES, p.267), como Governador das Armas do Piauí. O Major deveria partir o quanto antes para Oeiras, então capital da província. Os objetivos eram claros: ou o Brasil tornava-se novamente uma colônia e Dom Pedro voltava à Portugal, ou Fidié deveria manter o norte do país, que seria, longe das influencias do Rio de Janeiro e sua corte, submisso à Portugal.

Não tendo eu pedido aquelle Governo, e sendo só devida a minha nomeação á lembrança de Sua Magestade o sr. D. João 6º, (…) parti immediatamente, por ser essa a vontade do mesmo Augusto Sr. ordenando que o commandante da Charrua Gentil Americana me recebesse a seu bordo (…) Na ocasião da minha partida, Sua Magestade me ordenou muito positivamente, que me mantivesse, dizendo-me: Mantenha-se! Mantenha-se! (…) E quando pouco depois de ter chegado á cidade de Oeiras do Piauhy, me constou da revolta da Villa da Parnahiba (…) Declarei ao Governo Civil da Provincia , que marchava contra aquella Villa, e que em quanto tivesse quatro homens que me obedecessem, o terreno que elles pisassem seria constitucional, e pertenceria ao Reino (FIDIÉ, 2010, p. 159 -160).


O norte do país era importantíssimo para Portugal: mais próximo da Europa, possuía grandes estruturas administrativas, principalmente nas terras do Maranhão, e no Piauí havia grande produção de carne de gado que abastecia alimentando inclusive o sul do país, além de ser uma província estratégica, que si ligava ao Ceará, Bahia e Pernambuco.

Há muito que a posição geográfica do Piauí havia despertado a atenção do Governo de Lisboa para o caso de uma emergência. Prevendo que a independência do Brasil seria apenas uma questão de tempo, é opinião de abalizados historiadores que o Governo Português planejava ficar com uma parte para ele, isto é, o norte, recriando o Estado do Maranhão que compreenderia as províncias do Pará, Maranhão e do Piauí (…) Se os portugueses pretendiam realmente ficar com o norte após a independência, a ocupação militar do Piauí seria então uma questão de vida ou morte para eles (…) [Fidié] Chegou a Oeiras a 18 de agosto de 1821 e, tomando posse no dia seguinte, tratou logo de criar novos Corpos de Milícia, além dos já existentes. Esta intempestiva mobilização de tropas em Província central, sem qualquer ameaça de luta externa, já podia revelar de certa forma a missão de Fidié entre nós: conservar o Maranhão e sua zona de influência fiéis a Lisboa (CHAVES, 1998, p. 266-267).


Menos de um mês depois da chegada de Fidié a Oeiras, acontece o 7 de Setembro de 1822, que não tarda encontrar eco na voz dos piauienses da Vila de Parnaíba, em 19 de outubro, aderindo a independência do Brasil. Acontece que Parnaíba dista quase 700km de Oeiras e Fidié encontrava-se na obrigação de calar as vozes de pessoas como Simplício Dias, Leonardo Castelo Branco e João Cândido, os protagonistas da adesão parnaibana. João Cândido escreveria à Junta Governativa de Oeiras, ainda em 30 de Setembro de 1822, as seguintes exclamações:

Se o Brasil quer desunir, desuna-se: prática que não traz consigo responsabilidade alguma aos governos, porque os povos querem e ninguém lhe pode resistir sem risco, ou não querem e então assim o declaram (..) A maior, a mais rica, a mais populosa parte do Brasil, tem-se declarado a favor da causa da independência; como persuadir-nos que o resto não siga a mesma causa? Ou queiram os povos olhar a sangue frio o seu país dividido, seguindo o Sul um sistema e o Norte outro? (CANDIDO, João apud MARQUES, Renato Neves, p. 14 e 15).

Como não tiveram resposta de Oeiras, pois lá estava a mão pesada do Major Fidié, que desde então começara a conhecer os nomes e intenções dos “separatistas” brasileiros, e sem poder mais esperar, acreditando os parnaibanos fazerem parte de um projeto nacional encabeçado por Dom Pedro, aderiram a independência pouco depois:

No dia 19 de outubro de 1822, o Coronel Simplício Dias da Sila retomou o comando militar da Vila e a frente da tropa de 1ª e 2ª Linhas dirigiu-se à casa do Senado da Câmara e exigiu do Senado que se desse o devido cumprimento aos respeitáveis decretos da Majestade Imperial D. Pedro. Logo em seguida, acompanhado dos membros da Câmara, no Paço da Câmara, diante da tropa perfilada, foi aclamado alto e bom tom a Independência entre calorosas aclamações de populares que para ali correram para saberem o que acontecia, com descarga de artilharia acompanhado pelo repicar de sinos da Igreja Matriz (MARQUES, Renato Neves, p. 15).

Simplício Dias era um homem muito rico, dono de charqueadas e vários navios que negociavam diretamente com a Europa. Articulado com pessoas como o Juiz de Fora Dr. João Cândido e o intelectual Leonardo Castelo Branco, são os três pilares da movimentação independente no norte do Piauí. Sobre a figura de Simplício Dias:

A iniciativa da luta coube à figura bizarra do patriota piauiense coronel Simplício Dias da Silva. Imensamente rico, e viajado, hóspede da França pós-revolucionária, as ideias liberais trazidas da Europa, ele as sobrepõe, com entusiasmo, aos próprios interesses, e aos de sua família. Arruína-se no financiamento da guerra pela libertação do Brasil. Sobre os destroços de sua riqueza, edifica-se a unidade pátria (CONDE, p. 195).


No dia 13 de novembro de 1822, menos de um mês depois da adesão de Parnaíba à independência, Major Fidié deixava Oeiras e iniciava sua marcha de cerca de 660km rumo ao norte do Piauí, deixando o sertão e indo para o litoral. Antes de sair, o então Governador das Armas, preparava-se ou para uma guerra ou para uma grande intimidação, preparando um grande exército, pois “pediu mais pólvora, oficiou a comandantes de milícias (…) que se lhe reunissem com as praças armadas que pudessem prontificar com urgência” (CHAVES, p. 273).

O clima em Parnaíba ficou tenso. Nenhuma outra vila da província aderiu aos independentes do litoral. À medida que Major Fidié aproximava-se do norte com cerca de 2 mil soldados, Simplício Dias e seus aliados planejavam outra estratégia, precisando para isso, refugiarem-se temporariamente, no Ceará. Major Fidié chegou a Parnaíba em 18 de dezembro de 1822 e

Antes de tomar alojamento, formou a soldadesca na Praça da Matriz e dirigiu-se à Câmara, da qual exigiu, naquela mesma hora, a renovação do juramento de fidelidade a Dom João VI. Depois assistiu a um Te-Deum na Matriz de N. Senhora da Graça. Em seguida determinou que se fizessem manifestações públicas de regozijo e que fossem vitoriados o Rei de Portugal e as Cortes de Lisboa (CHAVES, p. 282).

Enquanto no norte do Piauí, com a proximidade de Fidié, os independentes parnaibanos partiam com a estratégia de formar um exército no Ceará, em Oeiras articulavam-se os primeiros passos em prol da liberdade. Aproveitando a ausência do Major Fidié, longe quase 700km da capital, “às 14 horas de 13 de dezembro (…) seis homens encapuzados surpreenderam a guarda da Casa da Pólvora, tomaram-lhe as armas e surraram-na a chibata. Ninguém acudiu aos guardas. Abriram-se devassas, mas tudo ficou envolto em mistério” (CHAVES, p. 283). O assalto armou os independentes oeirenses de munição para prepararem um ataque maior, no mês seguinte, pelas costas do Governador das Armas e longe de seu olhar.

Em Oeiras, haviam ficado no comando homens que Fidié acabara de conhecer, não sabendo de suas reais intenções, mas obrigado a neles confiar. Entretanto, no seio da elite política da capital, estava plantada por Manoel de Sousa Martins a semente da adesão à Dom Pedro. Nas primeiras horas de 24 de janeiro, em plano mui estrategicamente elaborado por ele e seus compatriotas, Oeiras desconcerta Fidié, assaltando quartéis, prendendo oficiais e membros da Junta Governativa inimigos da causa independente, “quando o povo saiu à rua, pela manhã foi para responder aos vivas que Manoel de Sousa Martins ergueram à independência e ao Imperador diante da tropa formada na praça da Matriz” (CHAVES, p. 286).

Na madrugada de 24 de janeiro de 1823 movimentam-se os conjurados, ocupam pontos estratégicos da cidade, assenhoreiam-se dos quartéis, tomam a Casa da Pólvora, o Paço Municipal. Mais tarde diria o mesmo governo que pusera abaixo o elemento fiel a Portugal: “Tudo isso foi executado com a melhor ordem, silêncio e sossego, desde as duas até as quatro horas da manhã e imediatamente ao raiar da aurora, os dois beneméritos piauienses, o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins e o Coronel Joaquim de Sousa Martins, deram os vivas da independência do Brasil e a S. M. o Imperador e Defensor Perpétuo, a que correspondeu todo o povo, já então tranquilo espectador de tão gloriosa cena” (NUNES, p.57).

Pouco antes da adesão de Oeiras à Independência do Brasil, entrava no Piauí dois corpos militares formados cada um com cerca de trezentos homens, ambos montados e financiados por Simplício Dias, no Ceará. Um deles era tinha a presença marcante do capitão cearense Rodrigues Chaves e do tenente Alecrim, personagens fundamentais no processo das lutas da independência no Piauí e Maranhão. O outro corpo era guiado pelo parnaibano Leonardo Castelo Branco, que primeiro dirige-se à Vila de Piracuruca, chegando lá a 22 de janeiro de 1823, e em Campo Maior a 5 de fevereiro de 1823. Em ambas as vilas, é proclamando a independência e preso os seus inimigos. Nas duas ocasiões, Leonardo leu um manifesto do qual faz parte os trechos abaixo:


Até quando malignas e espessas nuvens ofuscam as luzes do vosso entendimento, pois vós sois brasileiros, e recusais obedecer ao Sr. Dom Pedro, Imperador Constitucional e seu Perpétuo Defensor? Não sois europeus e seguis o seu partido com perigo evidente da nossa vida e com perda da honra. Ah! Onde estão o brio e o patriotismo brasilieses; onde a honra e onde o dever? O meu coração se vê dilacerado pelo punhal da mais intensa dor! Irmãos, irmãos! Quereis ter a doçura que a força exigia de vós e por violência obtenha o que o dever, a honra e o patriotismo em vão, até agora, vos tem tão instante e cordialmente persuadido! A dor me embarga as vozes do sentimento, apenas respiro (...) Ah! Queridos e enganosos irmãos, que é o que temeis? E que é o que esperais? Temeis as forças do miserável Portugal esgotadas com as contínuas levas de soldados do sul do Brasil, onde todos têm sido sacrificados à deusa da Liberdade Brasiliense? Que esmaga suas cabeças com a mão armada do ferro com que pretendiam subjugar-nos? (...) Que vos falta, pois, amados irmãos? Que vos impede os passos? Que vos prende a língua? Ai! Gritai comigo: Viva a nossa santa religião! Viva a futura Constituição Brasiliense! Viva a D. Pedro I, Imperador Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor! Viva a nossa santa Independência! Vivam todos os Brasileiros honrados, briosos e intrépidos! (BRANCO, in SANTOS, p. 77 a 81)

Major Fidié, que já se preparava para invadir o Ceará, fica ciente da adesão de Oeiras e muda seus planos: decide descer imediatamente e abafar o movimento na capital. Entretanto, em meados de fevereiro também toma conhecimento de que as tropas independentes passaram por Piracuruca e Campo Maior. O confronto no meio do caminho entre Parnaíba e Oeiras seria inevitável. O exército português inicia sua marcha saindo do litoral a 1º de março. Nesse tempo, em Campo Maior, Cap. Chaves e Ten. Alecrim arregimentavam o maior número possível de gente para ajudarem no combate iminente.

Não foi em vão. O povo estava acima de qualquer expectativa. Cada um, o vaqueiro e o roceiro, foi mais pronto em alistar-se para o tributo de sangue. Ninguém se recusou a acudir o apelo, e, dentro de três dias, as fileiras engrossaram-se e uma numerosa multidão ficou à espera dos portugueses para o combate. É assim que perto de dois mil homens, vibrando num entusiasmo ruidosos, expansivos como quem volta de um triunfo, acudiram à chamada e formaram em frente à Igreja de Santo Antônio (…) E só a loucura patriótica explica a cegueira desses homens que iriam partir ao encontro de Fidié quase desarmados.
As poucas espingardas tinham sido distribuídas aos cearenses. Os piauienses, estes conduziam velhas espadas, facões, chuços, machados, foices. De nada valia, contudo, para eles, a falta de armas, tão sugestionados iam com a certeza do triunfo (NEVES apud CHAVES, p. 307 e 308).


Chega então o dia 13 de março de 1823. Muitos eram os soldados de Fidié, homens treinados, municiados e preparados para a guerra. Já a tropa liderada pelo cap. Rodrigues Chaves era constituída em sua maioria por homens do campo, roceiros, vaqueiros e escravos. Aventureiros que acreditavam na vitória, mas preparados apenas com a coragem e bravura, porque armas de fogo e treinamento, não possuíam nenhum. Os independentes entrincheiraram-se no leito do rio Jenipapo, a 10km de Campo Maior, e lá esperaram o inimigo.


Ao ouvir os primeiros tiros, os inexperientes brasileiros acreditaram que toda a tropa portuguesa estava concentrada no flanco esquerdo. Foi um erro fatal. Em tropel desordenado, abandonaram a linha de defesa que haviam formado ao longo da margem do rio para se concentrar todos só naquele ponto. Isso deu a Fidié a oportunidade de cruzar o Jenipapo num ponto desguarnecido e calmamente montar a artilharia no alto de uma ondulação que desponta sobre a várzea. Ao perceber a manobra, os brasileiros já estavam cercados, de um lado pela cavalaria e, de outro, por 11 canhões que começaram a despejar sobre eles uma chuva de fogo. (GOMES, p. 191).


Quando passava do meio-dia, não a consciência da derrota mas o cansaço puro e simples começou a dominá-los. As armas caíam-lhes das mãos trêmulas. As pernas bambeavam. Já não combatiam, arrastavam-se para a morte (…) Também os partidários de Fidié caíam de cansaço. Cinco horas de luta ininterrupta e um sol abrasador tiravam-lhe totalmente o ânimo. Não perseguiram os independentes em retirada. Não poderiam fazê-lo. A vitória amarga não conseguira alegrar o coração do comandante português. Ele estava assombrado com o arrojo, a valentia e o desamor pela vida demonstrados pelos seus adversários (CHAVES, p. 309).


A longa batalha cansou a todos e no fim, “quando a fuzilaria terminou, por volta da 14h, o chão estava coalhado de cadáveres” (GOMES, p. 191) e a vitória foi de Fidié. Os brasileiros independentes foram derrotados. Calcula-se que mais de duzentos bravos lutadores da causa independente teriam morrido, outros quinhentos, sido presos. Do lado português, apenas dezesseis. Entretanto, a luta foi aguerrida de tal modo que Fidié reconsiderou seus planos, pois “se ali, quase na metade do caminho entre Parnaíba e Oeiras, lhe haviam oferecido um combate tão difícil, o que não iria ele encontrar mais na frente?” (CHAVES, p. 309). Além disso, “quando Fidié ainda estava dando um balanço nas perdas que sofrera, vieram avisar-lhe que os patriotas, na retirada, haviam atacado sua retaguarda e tomado a maior parte de sua bagagem” (CHAVES, p. 309), ou seja, Fidié ficara sem soldos e sem munição. Fora um golpe terrível este que sofrera. Não lhe restava opção que não fosse esquecer momentaneamente os separatistas de Oeiras e dirigir seu curso para o lado do Maranhão, buscando refúgio e refortalecer sua tropa. Pode-se dizer, sem medo de parecer corriqueiro, que, sim!, no Jenipapo, Fidié venceu a batalha, mas começou a perder a guerra pela independência do Brasil.

           Depois da Batalha do Jenipapo, as tropas piauienses reuniram-se em Oeiras e juntaram-se a outros homens que chegavam do Ceará, Pernambuco e Bahia. Coordenados pelo Brigadeiro Manoel de Sousa Martins e pelo Coronel Joaquim de Sousa Martins, tiveram como missão principal sitiar Fidié no morro Tabocas, em Caxias, Maranhão. Estima-se que no final de julho de 1823 havia cerca de sete mil soldados brasileiros contra setecentos soldados juntos à Fidié. A capitulação já era inevitável quando Lord Cochrane, aristocrata e político escocês que se destacou como oficial da Marinha Real Britânica durante os movimentos de independência da América, aproximou-se do Maranhão. Fidié foi preso a 3 de agosto de 1823, quase cinco meses depois da batalha do Jenipapo. Com ele, caía a voz portuguesa mais poderosa e a mais alta patente em comando em todo o norte.

Foi a Batalha do Jenipapo, com seus valentes heróis anônimos, a luta definitiva que mudou o curso de Fidié, permitindo aos independentes sitiá-lo e derrotá-lo para a consolidação e unidade do território nacional independente.

Ao final de todo esse processo nacional de adesão à independência, depois de vários meses preso entre Piauí, Ceará e Rio de Janeiro, Fidié regressou para Portugal, onde foi reconhecido como herói e tornou-se diretor do Real Colégio Militar por muitos anos. O coronel Simplício Dias, da Parnaíba, foi o primeiro presidente da província nomeado por Dom Pedro I, mas não chegou a ocupar o cargo, preferindo continuar os negócios da família. Coube a honra, ao Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, de Oeiras.
Para comemorar a data, e valorizar o acontecido, por ocasião do centenário da batalha, em 1922, o governo do estado do Piauí, constrói um obelisco em Campo Maior.


Passaram muitos anos do episódio Batalha do Jenipapo e uma outra luta começava a ser travada, esta liderada por ilustres campomaiorenses. Ansiavam tais conterrâneos por uma valorização (…) para saldar a dívida histórica para com as almas dos homens que tombaram no campo de guerra em nome da pátria (…) Somente no século XX, cem anos após a batalha sangrenta, foi dado o primeiro passo no sentido do reconhecimento, com a construção de um obelisco no campo sagrado onde descansam os que tombaram (LIMA, p. 53)


Mas o reconhecimento não se limitou à construção do obelisco em 1922. Era preciso algo maior. Por ocasião do sesquicentenário da Batalha, em 1973, o então governador Alberto Silva constrói o monumento que torna-se, de fato, símbolo da luta. Às margens do rio Jenipapo, mais próximo de onde estavam os mortos e a história que precisavam ser lembrados. No local também foi construído um cemitério, que tornou-se um local de exercício da fé, onde muita gente passou a visitar para “pagarem suas promessas. Muitos depositam ao pé de uma grande cruz o resultado de 'milagres' que creditam às almas do Batalhão” (LIMA, p. 87).

O Monumento aos Heróis do Jenipapo é cenário de várias manifestações cívicas e militares, como a entrega de medalhas e honrarias. Mas também é cenário para um evento que se repete anualmente por quase duas décadas: a apresentação da peça teatral da Batalha do Jenipapo. Originalmente escrita por Aci Campelo e dirigida por Arimatan Martins, a peça popularizou a solenidade militar que acontece sempre naquele local no 13 de março. Continuando com a política de valorização da data, em 2009 o Governo do Estado financiou a produção da história em quadrinhos “Foices e Facões – A Batalha do Jenipapo”, de Bernardo Aurélio e Caio Oliveira. Em 2012 o quadrinho foi adaptado para teatro e hoje é dirigida por Franklin Pires e encenada em substituição ao texto anterior.


BIBLIOGRAFIA


GOMES, Laurentino. 1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo pra dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2010.

FIDIÉ, João José da Cunha. Vária Fortuna de um soldado Português. Teresina: FUNDAPI. 2006.


CONDE, Hermínio de Brito. Org. SANTANA, Raimundo. SANTOS, Cineas. O Piauí e a Unidade Nacional. Teresina: FUNDAPI. Coleção independência vol. 5. 2007.

CHAVES, Monsenhor. Obras Completas. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves. 1998.

MARQUES, Renato Neves. 19 de outubro: o dia do Piauí. Teresina: Sistema Fecomércio. 2004.

SANTOS, Gervásio. Leonardo de Carvalho Castelo Branco. Teresina: Zodíaco. 2012.

LIMA, Francisco de Assis. A Batalha: o reconhecimento. Campo Maior: edição do autor. 2009.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Encenação da Batalha

Elenco e produção.

Acabo de chegar de Campo Maior. Fui com meu pai, Simplício, e meu irmão, Caio (que é co-autor do quadrinho Foices e Facões).

O que posso dizer sem parecer um grande puxa-saco? Ano passado, aconteceu a primeira encenação da Batalha do Jenipapo feita a partir de uma adaptação minha do quadrinho Foices e Facões (falarei mais sobre isso depois. Felizmente, agora, pelo calor do momento, vou colocar a carroça na frente dos bois e saltar na cronologia dos fatos que estou seguindo nas publicações desse  blog). A peça cresceu significativamente. Foi pretensiosa e atingiu o que queria quando o diretor do espetáculo Franklin Pires decidiu fazer do meu texto um musical. A música toca mais fundo.Posso falar por mim, que a peça conseguiu atingir mais. Como um tolo que sou, segurei o choro por puro orgulho bobo.

Personagem sem nome(foi mal cara...), Teobaldo, Zezé, Caio e eu.

Muitos atores foram fantásticos em seus papéis, transmitindo, principalmente em suas pausas, o sentimento que eu tinha quando escrevi.

Gostei de várias cenas, mas permitam-me citar apenas duas: a cena da alforria, que cresceu muito graças à música e à direção do Franklin, e a única cena do Fidié, que mesmo sendo a única cena do "vilão", consegue ser grande e impressionar. Seu Januário, sua esposa, o núcleo de família de Teobaldo, Luis... Muito bom.

Nem tudo foram flores, mas são problemas pequenos diante de um espetáculo gigante que envolve o público e tem tudo para crescer cada vez mais, considerando o salto do ano passado pra cá.

Muito orgulho de fazer parte dessa história.

Muito obrigado a todos que fizeram essa festa hoje.


terça-feira, 12 de março de 2013

sábado, 26 de janeiro de 2013

Prefácio do autor, inédito.


(Ilustração de Amaral)

Depois de um tempão escrevendo o roteiro, 4 meses, eu sentei e escrevi um prefácio para o "roteiro romanceado", que não foi publicado no livro, por questões de espaço mesmo.

Aqui o texto original na íntegra, escrito em dezembro de 2008.


"Prefácio do autor


Não poderia me prender a narrar os fatos descritos nos documentos oficiais e contidos em textos como os de Odilon Nunes, Abdias Neves ou Monsenhor Chaves. Da mesma forma, não poderia correr o risco de me aventurar na liberdade criativa de uma construção literária. Precisava contar uma história, trabalhar personagens, fazer um romance. Mas que armadilha é essa? Fazer uma ficção histórica? Em gibi?

Quando encaminhei o projeto da realização deste livro, descrevi assim ao Governador Wellington Dias e à Presidente da Fundação Cultural do Estado Sônia Terra meu objetivo: Apresentar os personagens anônimos que participaram da Batalha. E minha justificativa:

A Batalha é cantada em nosso hino, “vendo a pátria pedir liberdade o primeiro que luta é o Piauí”, é encenada em peça escrita e dirigida por grandes nomes do teatro piauiense, Aci Campelo e Arimatan Martins. Esta história, através da arte, aproxima-se de quem a mais deve interessar: ao povo, que apropria-se dos fatos, orgulhando-se cada vez mais de sua naturalidade, de sua origem, que decidiu com luta, suor e sangue um dos episódios mais honrosos dos capítulos deste país. É neste sentido que o Núcleo de Quadrinhos do Piauí propõe-se a construir uma obra em quadrinhos que narre os acontecimentos desta luta de forma histórica e romântica num estilo literário conhecido como “novela gráfica” (Graphic Novel), uma obra extensa que possa apresentar de forma profunda e intensa os vários episódios deste período de maneira que não se prenda apenas ao didatismo de apresentar os fatos, mas que possa envolver sentimentalmente o leitor aos personagens principais, tornando a leitura informativa e prazerosa.

Como podem constatar, a intenção sempre foi trabalhar de forma romântica, procurando envolver sentimentalmente o leitor com personagens anônimos. Partindo deste princípio, quis construir um roteiro que contasse também com a participação ilustre dos baluartes políticos da independência no Piauí, como Simplício Dias, Dr. João Cândido, Leonardo Castelo Branco, Manoel de Sousa Martins e outros. Quis representar aqui os cenários mais importantes, que foram Campo Maior, Parnaíba, Oeiras, Piracuruca e União (Estanhado). Entretanto, houve (como sempre há) contratempos.

Iniciei este roteiro em setembro, ao final de outubro havia terminado sua 1ª versão. O fato é que, de novembro a fevereiro, o livro precisaria estar pronto para ir para a gráfica, com possibilidades de ser lançado no 13 de março de 2009. Ou seja, quatro meses para desenhar, arte-finalizar e editar o livro, convenhamos: pouco! Veio logo a dedução do que precisaria ser feito: para desenhar e arte-finalizar necessitaria de três meses, sendo produzidos, no mínimo, uma página por dia, visando aí um total de 100 pranchetas. Em 100 pranchetas eu não conseguiria colocar os três cenários mais importantes desta história (Campo Maior, Oeiras e Parnaíba) junto com os personagens políticos chaves e ainda ter uma trama a apresentar, ou seja, fazer o romance. Se eu optasse por realizar esta obra desta maneira, eu faria um documentário em quadrinhos, que impossibilitaria o sentimento e o envolvimento carnal que só uma trama literária ficcional pode ousar se propor a ter com seu interlocutor e incorreria no risco do enfadonho didatismo.

Para contar a história de Teobaldo, Januário e famílias, que são personagens fictícios, eu tive de abrir mão da variedade histórica do leque em minhas mãos. Tive de escolher um cenário: Campo Maior. Não é preciso dizer quais os critérios da seleção do cenário, já que está implícito do objetivo desta obra desde o princípio. Entretanto, mesmo frisando uma única cidade como cenário deste processo de independência, não diminuí a importância das outras. Parnaíba, Oeiras, Piracuruca e União foram constantemente citadas. As tropas que sobem e descem, os estafetas, os positivos, estão sempre se dirigindo para algum lugar e as discussões em Campo Maior querem saber o que acontecem nas outras cidades. Quando Leonardo, o parnaibano, desce até Campo Maior, ele aparece na história em quadrinhos.

O recorte espaço-temporal necessário nesta 1ª versão foi devido uma limitação prática da produção. Por isso o título original proposto foi “13 de Março – Campo Maior”, e não algo como “As Lutas Pela Independência do Piauí”. A grande questão é que Parnaíba e Oeiras possuem um número de fatos tão interessantes para serem abordados dentro desta compreensão maior do cenário, que não seria possível narrar tudo isso em apenas 100 páginas. Seriam preciso 200 ou 300, espaço para o qual não havia tempo.

Entretanto, conversando com o Diretor de Ação Cultural da FUNDAC, Chagas Vale, ele reiterou a necessidade de incluir e valorizar mais a participação das outras cidades, além de estender a história até a prisão de Fidié, que acontece meses depois da Batalha do Jenipapo. Iniciei a 2ª versão do roteiro com esses preocupações, o que, praticamente, duplicou o volume de páginas, como havia deduzido.

Para incluir estes novos cenários, não poderia ser de qualquer maneira. Precisei historiar desde a chegada da família imperial portuguesa até o Brasil, para depois justificar a cisão entre brasileiros e portugueses e contextualizar as atitudes de Parnaíba e Oeiras. Tive também de utilizar de recursos onde suprimi fatos para tornar prática esta adaptação e seu lançamento ainda em 2009.

Por isso, espero que todos que leiam esta versão do roteiro tenham em mente as limitações e objetivos às quais me submeti a criar. Sendo esta parte entendida, posso partir para um segundo momento da abertura deste texto: os subtemas da obra.

A liberdade, a guerra, a morte e o ódio ao outro são as principais questões abordadas aqui. Também são temas recorrentes o respeito e obediência entre membros da mesma família, além da religiosidade do povo piauiense. Como trabalhar isto? Eu sei que é preciso honrar os mortos deste processo em busca da liberdade, mas não me parece certo glorificar a guerra em si. Durante a história eu quis discutir isso com o leitor. A batalha foi inevitável? Por que o homem simples foi à campo guerrear e morrer? E o ódio que geramos pelos portugueses, é justificável à ponto de querermos matá-los? E o negro escravo que havia em Campo Maior, ele participou da guerra? Ele sabia que não seria libertado depois dela? E Dom Pedro, que foi contra as ordens do pai? Qual rei o povo deveria acreditar que Deus queria governando o Brasil? Não quero dar respostas a estas perguntas, quero apenas que pensem nelas enquanto estiverem lendo esta simples obra.

Obrigado,


Bernardo Aurélio de Andrade Oliveira
12 de dezembro de 2008"